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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dona Alzira



Alzira Dias de Sá, minha avó materna, nasceu em 1900, numa localidade chamada Cacimba de Vaca, no município de Lucrécia, no pé da serra de Martins, interior do Rio Grande do Norte (mais precisamente na conhecida “tromba do elefante”). Casou com Aproniano, com quem teve 5 filhos: José Nilson, Maria Zuleide, Iêda, Iris e Neide, que lhes deram 19 netos.

Não pretendo fazer aqui uma biografia de minha avó, mas lembrar o seu humor (ou mal humor) que sempre resultava em uma piada. Lá pelos anos 80, Armando Negreiros começou a publicar aos domingos n’O Poti as crônicas “Poucas e boas de...”, onde o autor escolhia um personagem, daqueles que tinham histórias que passavam de boca em boca, de roda em roda, de tão espontâneas, às vezes parecendo que eram inventadas. Não sei as dos outros, mas as de minha avó eram todas verdadeiras.

Ela foi a primeira mulher a aparecer nas páginas d’O Poti aos domingos. E eram tantas histórias que tiveram duas seções: Poucas e Boas de Alzira Sá 1 e Poucas e Boas de Alzira Sá 2, em domingos seguidos. Lógico que a iniciativa terminou se transformando em livro, cujo sucesso rendeu várias edições.

Uma das melhores histórias dela não está em nenhuma das edições, além de ser uma das poucas “de salão”. Pois é, Dona Alzira, às vezes, pegava pesado.

Estamos em São Paulo, anos 60, quando o must era a Rua Augusta. Minha mãe e minha tia resolveram ir num salão de beleza na famosa alameda arrumar as madeixas, e lógico, levaram a minha avó, que estava viajando com elas, não sem antes receber mil recomendações da minha tia para que ela não falasse besteira, que elas iriam num salão muito chique, que ficasse calada e deixasse que ela e Neidinha falassem por ela. Arrumaram-se e deixaram o hotel, que por sinal era quase no mesmo quarteirão do salão.


Lá chegando, cada uma foi atendida por uma funcionária diferente que, superdelicadas perguntavam a cada uma o que queria fazer. Minha mãe optou por um corte Chanel, minha tia queria apenas fazer uma escova e ajeitar as unhas, e minha avó, muda estava, muda ficou. A moça insistindo, mas como a tinham proibido de falar... Até que minha tia, vendo a aflição da atendente, liberou-a a dizer o que queria fazer.

- Eu quero fazer um cocó.

- Um cocó? Eu não sei o que é isso... A senhora pode me explicar melhor?

Então ela começou a fazer gestos com as mãos, até que a moça entendeu, e falou com ar de superioridade:

- Minha senhora, o nome disso não é cocó não, é coque! Quem faz cocó é galo!!!

Dona Alzira olha para a pobre moça, coloca as mãos nos quartos, e fala em alto e bom tom para todo mundo do salão ouvir:

- Vôtes, minha filha, só se for na sua terra, porque na minha, galo faz co-coró-cocó!!!

domingo, 24 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo Final



Como não podia fazer nada, deixou o menino partir...

Mas... Quando ficou só foi que notou a mudança. Começou a reparar melhor ao seu redor e viu que estava faltando algo. Sentiu falta do canto dos pássaros e do voo alegre das borboletas e dos beija-flores, das flores que inexplicavelmente se fecharam e então, o velho, pela primeira vez, sentiu uma grande tristeza. A tristeza de descobrir o amor tarde demais. Aquele menino tinha razão. Pensou em procurá-lo e pedir desculpas. Quem sabe teria muito que aprender com o Tempito. Será que ele o perdoaria? O velho então decidiu ir ao Orfanato do Temporal pedir ao menino para voltar. Quando ele o vê, corre em direção ao Tempo e o abraça forte:

- Eu sempre acreditei em você, meu velho. Eu tinha certeza que viria me buscar. Eu volto, mas com a condição de nós promovermos o eclipse e assim, trazer de volta a alegria.

O Tempo não tinha outra saída. Ou aceitava a condição do Tempito ou teria que voltar só. Quando chegaram à oficina, começaram a adiantar todos os relógios e dentro de instantes ouviu-se o som de carrilhões anunciando a chegada de Marte e Netuno, padrinhos dos noivos. Estavam todos lá: os outros planetas, todos os signos do zodíaco, as constelações, o arco-íris e milhares de estrelas. O Sol se coloca em seu lugar e espera nervoso sua noiva. A Lua chega meia hora atrasada e tendo as Três Marias como damas de honra. O Tempo então oficializa a união dos dois astros, sempre que venham a se encontrar. A cerimônia durou apenas alguns minutos, mas foi o suficiente para devolver a alegria e a esperança para todos.



Seu Sol, Dona Lua
de: Marcos Sá de Paula


sábado, 23 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo 06



Aquela voz trazida pelo vento era como música que enchia o coração do Sol de esperança. Em compensação, o velho Tempo estava desesperado. Pelo visto, o Sol também gostava da Lua e sendo assim, eles iam fazer tudo para que acontecesse esse encontro. Como era de seu feitio, foi logo cortando o entusiasmo do jovem apaixonado.

- Vamos logo tirando o cavalinho da chuva que não vai haver casamento nenhum por aqui. Será que estou falando grego?

O Sol tentou convencer o velho que o amor era um sentimento muito importante, mas o teimoso não concordava com isso. Quando a coisa estava esquentando, chega o Tempito todo esbaforido voltando do Brasil. Ao passar pelo Sambódromo do Rio de Janeiro, era Carnaval e uma Escola de Samba apresentava um enredo que falava justamente sobre o casamento do Sol com a Lua e a solução era o eclipse.

- O eclipse? – perguntaram o Sol e o Tempo em uníssono.

- Sim, o eclipse é a união do Sol com a Lua, do dia com a noite, da luz com as trevas e também a solução para o nosso problema – falou animado o Tempito, todo feliz por estar ajudando, mas o Tempo não deu o braço a torcer.

- Eu quero que fique bem claro que se existe algum problema, ele é de vocês. Eu não vou adiantar os ponteiros, alterar as leis do Universo apenas para que o Sol e Lua se encontrem.


O Sol resolve então ir embora. Ia tirar umas férias na Via Láctea. Arruma suas coisas e se põe antes da hora prevista. O velho fica desesperado. Como ia fazer agora, com todos se rebelando contra ele? Por falar em se rebelar, notou que a Lua não tinha aparecido. Já era hora dela estar no alto do céu. Chama-a diversas vezes, mas ela não dá as caras. O Tempito arruma suas coisas numa pequena mala coloria e decide que também vai embora. Dirige-se ao Tempo e fala:

- Velho, eu quero voltar para Orfanato do Temporal. Talvez um Novo Tempo me adote. Espero que seja um Tempo que acredite no amor e que aprecie as coisas simples da vida como assistir a um pôr do Sol ou admirar um céu estrelado numa noite de luar...

sexta-feira, 22 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo 05



Quando não tem mais nenhuma réstia de luz, o Tempito pergunta:

- Como é? Onde está sua dor de cabeça?

- Estranho, passou! – falou o Tempo, mas logo em seguida, sem dar o braço a torcer, retrucou – mas com certeza, não tem nada a ver com o pôr do Sol.

O Tempito deixou para lá. Começava a desconfiar que aquele velho era muito cabeça dura mesmo. Não ia discutir com o Tempo. Numa outra hora ele iria descobrir os benefícios que podem trazer um simples ato de admirar um pôr do Sol. A noite começa a chegar salpicando o céu de estralas. O Tempo pega sua pasta e vai consertar o Big Bem, em Londres, não sem antes fazer mil e uma recomendações ao ajudante: tirar todo o pó da oficina, dar corda nos relógios, e principalmente, não ficar de conversa mole com astros desocupados.

- Está certo – responde o Tempito – pode ir tranquilo. – O velho sai e o menino fica pensativo. Não conseguia entender como uma pessoa não saiba que o amor é a base de tudo. Estava tão distraído que nem sentiu a presença da Lua se aproximando. Como ela vê o menino um pouco triste, deduz que o Sol não queria nada com ela. A Lua era um pouco apressada em suas conclusões, fazia parte de seu temperamento, e assustando o Tempito, foi logo falando:

- Já sei, Tempito, o Sol não quer saber de mim, não é? Não se preocupe. Eu recebi um pedido de casamento do cometa Harley e acho que vou aceitar.

- Você está louca? – indignou-se o menino – você não sabe o que ele fez um ano desses? Anunciou que vinha, ficou todo mundo esperando e nada. Não deu nem as caras. Ele poderá fazer o mesmo com você. Esse cara não merece confiança. E não é o Sol que você ama?

- É, mas se com ele não acontece o mesmo, não sou eu que vou ficar correndo atrás – respondeu a Lua.

- Você está completamente enganada – disse o Tempito – eu estou triste por outra coisa. – Dá uma pausa e acrescenta malicioso – Ele até mandou uma carta para você. – e entrega a carta que estava num envelope com cores do arco-íris.

A Lua pega a carta e corre para um canto para lê-la sozinha. Nesse momento o Tempito vê que o Tempo está voltando de Londres e imediatamente vai dar corda nos relógios. Ele chega e olha tudo e como não vê nada anormal, vai fazer anotações num livro enorme que ele tinha sobre sua mesa. A Lua termina de ler e em êxtase vai até o menino e beija-o muitas vezes enquanto proclama:

- Ele também me ama, Tempito. Agora ninguém poderá fazer nada contra.

O velho fica intriga com o que está ouvindo e interrompe a brincadeira:

- Contra o que, Dona Lua? Eu posso saber o que se passa por aqui?

- O Sol me mandou uma carta marcando um encontro, velho. Ele também me ama, então vou escrever dizendo que aceito. Tempito me consiga lápis e papel...

- Um momento – interrompe o Tempo – Tempito, vá já dar um pouco de corda na Hora do Brasil, pois me falaram que ela anda um pouco atrasada e o senhor está proibido de levar alguma mensagem para o Sol. Eu quero saber como a Lua vai fazer para que ele saiba que é correspondido.

- Ah, é? – disse a Lua desafiadora – Pois fique o senhor sabendo que eu tenho meus próprios mensageiros. O Vento Sudoeste me deve um favor e disse que quando eu precisasse era só chamar que ele vinha, e é o que vou fazer agora. – Grita – Vento Sudoeste, Vento Sudoeste!

- Espere, reflita um pouco. Por que você não namora Marte, Júpiter ou outro astro que apareça à noite como você?

- Por que é o Sol que eu amo. Qual desses tem o seu calor, o seu brilho? Vento Sudoeste! – o Vento Sudoeste vem com toda a sua força, espalhando os papéis da oficina enquanto a Lua continua – Vento Sudoeste, meu amigo, vai até o Sol e acorda-o soprando em seus ouvidos que eu o amo. Diz ao Sol que o amo – a Lua vai desaparecendo devagar e o vento leva a sua voz até o Sol, que nasce naquele dia com a Lua dizendo que o ama. 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo 04



O Sol aparece radiante e dessa vez vinha muito alegre. Quando se aproxima da oficina do Tempo, o Tempito pergunta:

- Nossa, que cara boa! O que foi que aconteceu? Onde está aquela tristeza que você sentia antes?

- Tempito, você nem imagina! Esta noite tive um sonho maravilhoso. Sonhei que conhecia uma moça linda!

- Então é isso, que bom! Eu conheço uma moça muito bonita também – falou o Tempito.

- Já está namorando nessa idade? – debochou o Sol.

- Ela não é minha namorada – falou irritado – e se fosse? Não existe idade para namorar. Fique o senhor sabendo que eu já tive duas namoradas: a nuvenzinha Consuelo, uma espanhola que tocava castanholas como ninguém e a estrelinha Yoko, uma japonesinha que tinha os olhos assim.

– faz “olho de japonês” com os dedos.

- Não quis ofender – desculpou-se o Sol – eu apenas pensei que você fosse muito jovem para...

- Lá vem você com essas caretices... – falou o Tempito aborrecido.

- E onde você a conheceu? – pergunta o Sol interessado.

- À noite. Ela só aparece à noite. É a moça mais linda que eu conheço – disse o Tempito atiçando a curiosidade do Sol.

- Duvido que seja mais bonita do que a do meu sonho de ontem. Nem todas as estrelas juntas chegariam a seus pés – suspirou o Sol apaixonado.

- Eu tenho uma fotografia dela. Se você quiser ver...

- Claro que eu quero – falou o Sol curioso – onde está?

- Espere um pouco que eu vou pegar – o menino sai e nesse momento entra o Tempo que para variar, estava mau humoradíssimo e vai logo perguntando:

- Seu Sol, o senhor viu o Tempito? Onde se meteu esse menino?

- Ele foi pegar uma coisa para me mostrar – disse o Sol muito alegre.

- Ora, vejo que hoje está de bom humor. Qual o motivo de tanta alegria. Posso saber?

- Velho, eu sonhei com o meu amor. Era uma mulher linda! Quando eu descobrir quem ela é, peço-a em casamento.

O Tempo começa a se preocupar. O que será que estava acontecendo na abóbada celeste? Essa epidemia de amor podia ser contagiosa e ele precisava se vacinar. Nesse momento entra o Tempito com a foto da Lua que mostra ao Sol. Quando ele vê a foto pula e grita eufórico:

- É ela, Tempito! Não pode ser, mas é ela! Como é o nome dela?

- Calma rapaz, o que deu em você? Controle-se! – O Tempo olha para a foto por cima do ombro do Sol. – Ora, é a Lua. Você nunca viu a Lua?

- A Lua! Mas é claro que é a Lua. Por que não descobri antes? – agitado, o Sol dirige-se ao Tempito – meu pequeno amigo, me arranje lápis e papel que eu quero fazer uma carta perguntando se ela quer casar comigo.

O velho Tempo começa a se desesperar:

- Espere rapaz, como você pode querer casar com a Lua se vocês nunca se encontram. Você está maluco?

- O senhor não é o Tempo? Então é quem vai ter que achar uma solução para este problema.

- Eu? – pega o Tempito pela orelha – Está vendo no que você me meteu? Já estou arrependido de ter trazido você do Orfanato do Temporal.

O Tempito se solta das mãos do velho. Não entende por que o Tempo está tão preocupado.

- Eu não tenho nada com isso – falou o menino enquanto esfregava a orelha dolorida – e que é que tem de mais? Eu não vejo nada de mais no Sol e a Lua se apaixonarem.

- Pois eu vejo muita coisa – diz o Tempo nervoso – Eles vão me azucrinar a paciência para fazer com que eles se encontrem. Eu não posso fazer isso. Aqui em cima, tudo tem que ser como sempre foi: o dia é sempre dia, a noite é sempre noite. Não pode ser diferente.

O Sol se prepara para se pôr e o Tempo se desespera. Se a Lua também amar o Sol, ele está frito. Não que ele vá fazer alguma coisa para que esse encontro ridículo aconteça, mas é que dois astros apaixonados vão fazer muita confusão e assim ele não poderá continuar levando sua vidinha tranquila de sempre. Põe a mão na cabeça e grita para o Tempito:

- Ai, minha enxaqueca! Ela ainda me mata, um dia! Olha só o que você foi me arranjar!

- Já disse que não tenho nada com isso – fala o Tempito – Está com dor de cabeça? Sente aqui, relaxe um pouco e curta o pôr do Sol que com certeza ela vai passar.

- Não seja ridículo! Retrucou o velho. O Tempito força um pouco e põe o Tempo sentado em sua nuvem, de frente ao Sol que se põe. Ficam imóveis, observando o espetáculo que acontece no céu.


E agora? Como o velho Tempo vai resolver esse problema?

quarta-feira, 20 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo 03



A Lua surge linda, por detrás de uma montanha. O Tempito não consegue disfarçar a admiração e fica observando-a se aproximar em seu conversível cor de prata, que estaciona perto da oficina do Tempo.

- Nossa, como você é bonita!!! – diz o Tempito.

- Você gostou? É o meu último modelo – fala a Lua enquanto desfila como se estivesse numa passarela. – E você, quem é?

- Eu sou o Tempito, o novo ajudante do Tempo. Ele anda muito cansado e estou aqui para ajudá-lo.

- Por falar nele, onde anda aquele velho careta? – perguntou a Lua.

- Ele foi a Paris consertar um relógio. Por que você e o sol não gostam dele?

- O Sol? – perguntou a Lua eufórica.

- Sim, o Sol reclamou muito dele – disse o Tempito. – Eu acho que vocês estão exagerando um pouco.

- Me fala do Sol. Como ele está? Faz tanto tempo que não nos encontramos que nem me lembro de como ele é. Continua bonito? – perguntou a Lua.

- Sim, muito. Eu só o achei um pouco triste. Eu até sugeri que ele se apaixonasse – disse o Tempito.

A Lua não cabe em si de contentamento. Até que enfim tinha conseguido um cúmplice, então continuou:

- E ele? Falou de mim?

- Não, parece que ele gostou da idéia de se apaixonar, pois fez um lindo pôr-do-sol. Por quê? Você gosta dele?

- Muito! – disse ela – mas a gente não se encontra nunca. Se eu mandar uma foto minha para ele, você entrega? Quem sabe assim ele se anima e me pede em casamento?

- Claro que entrego. Onde está?

Nesse momento entra o Tempo e para variar, não gosta nada de ver o Tempito e a Lua conversando. Já chega gritando:

- Dona Lua, quer parar de conversa mole com o Tempito? Não vê que ele está trabalhando? Menino venha já para cá.

- Já vou! Dê-me a foto que eu entrego a ele – fala o Tempito. – Pronto, seu Tempo. O que eu tenho que fazer agora?

- Primeira coisa: não quero você de papo com o Sol, a Lua ou outro astro qualquer. O que ela queria?

- Nada – falou o Tempito disfarçando – era uma bobagem qualquer.
- Veja que horas são agora, Tempito.

- São quase seis da manhã – depois de conferir no velho relógio cuco.

- Quase seis? Dona Lua largue esse espelho e chispa daqui. Onde já se viu? Isso aqui está pior do que repartição pública!

A lua se assusta, arruma suas coisas, entra no seu carro e se prepara para sair, não sem antes falar com o Tempito:

- Não se esqueça do que combinamos. Mostre minha foto para o Sol.

- Pode ficar tranquila, não vou esquecer – prometeu o menino.

A Lua vai embora. Durante um tempo, o céu fica escuro, mas aos poucos começa a clarear, trazendo uma grande variedade de tons, como se um artista tivesse dado uma pinceladas num grande quadro. O Sol aparece...


Qual será a reação do Sol quando receber o retrato da Lua?

terça-feira, 19 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua - Capítulo 02



- Oi, que é você? – pergunta o Sol.

- Eu sou o Tempito, o novo ajudante do Tempo.

- Então o velho rabugento finalmente deu o braço a torcer e arranjou alguém para lhe ajudar. Já devia ter feito isso há muito tempo.

- Não fale assim dele. Por que você está tão mau humorado? E logo após um nascer tão bonito? – perguntou o menino.

- É que essa vida de Sol me enche o saco. Todo dia a mesma coisa: nascer às seis da manhã, se pôr às seis da tarde. Nunca acontece nada diferente...

Tempito não entende como um rapaz charmoso como o sol podia estar tão triste. Além de bonito, tinha uma roupa toda dourada e botas e capa de fogo que conquistariam qualquer estrela.

- Por que você não arranja uma namorada? Assim o seu mau humor passa logo.

- Quem você pensa que é para falar dessas coisas? – falou o Sol com ar de superioridade. – Você é apenas uma criança.

- Pois fique o senhor sabendo que as crianças amam mais do que os adultos – disse o Tempito.

- Não diga bobagem. Você não sabe o que está dizendo.

Enquanto eles discutiam, o Tempo acorda e como não vê o Tempito trabalhando, vai logo gritando:

- Tempitoooooo!!!! Deixe de conversa mole e vá já trabalhar!
- Mas eu já fiz tudo. Já varri, espanei e arrumei como o senhor mandou.

O Tempo olhou em volta e viu que realmente tudo estava nos seus devidos lugares e sem nenhuma poeira. Para não dar o braço a torcer, voltou a gritar:

- Se está tudo limpo e arrumado, então venha para eu lhe ensinar a dar corda nos relógios.

O Sol nunca foi com a cara do Tempo e reclamou:

-Ô velho chato, não brigue com ele. O menino estava apenas querendo me alegrar. Falava-me de coisas bonitas.

-Eu não o peguei no Orfanato do Temporal para conversar besteira. – Dá uma pausa e depois pergunta curioso. – De que coisas ele estava falando?

- De amor. Como eu estava um pouco de saco cheio, ele sugeriu que eu me apaixonasse para mudar um pouco a minha rotina.

-Amor, amor, que bobagem. Vocês deviam conversar sobre coisa mais séria. Amor... Imagine!

O Tempito não era de ficar calado quando não concordava com alguma coisa e foi logo falando desafiador:

- Amor é coisa séria, sim senhor. Ninguém pode ser feliz sem ele.


O Tempo já estava começando a se arrepender de ter escolhido um menino tão inteligente. Ele não estava acostumado a ser contrariado. Sem saber o que responder gritou:

- Não quero saber de conversa, venha já aprender a dar corda nesses relógios. O Tempito aprendeu rápido o que tinha que fazer. O Tempo fica observando admirado com a habilidade do menino quando viu que já eram quase seis da tarde e o Sol ali, com aquela eterna cara de galã de cinema, olhando o Tempito trabalhar.

- Seu Sol, será que eu vou ter que lhe dizer o que o senhor tem que fazer? Está na hora do senhor se pôr! – O Tempo começa a arrumar uma pasta para ir a Paris consertar um relógio quando nota o Tempito sentado em sua nuvem.

- Tempito, o que você está fazendo aí?

- Estou curtindo o pôr do Sol.

- Esse menino tem cada uma! – O Tempo sai preocupado. Agora ele tinha certeza que não tinha sido uma boa ideia adotar um menino tão inteligente. Ele ainda ia dar muita dor de cabeça. O Tempito fica em sua nuvenzinha curtindo o pôr do sol. O céu vai mudando de cor. Hora fica alaranjado, hora violeta, hora vermelho bem vivo. Quando o sol desaparece totalmente, o céu fica bastante escuro e aqui, acolá, começa a piscar uma estrela, até que ela aparece...


Não perca a sequência, quando o Tempito encontra a Lua!

segunda-feira, 18 de março de 2013

Seu Sol, Dona Lua



No começo dos anos 70 eu morava no Rio de Janeiro, e como a minha sobrinha Andrea era bem pequena, costumava leva-la ao teatro. Vimos muita coisa ruim, até que um musical escrito por André José Adler, O Jardim das Borboletas, me chamou atenção. Havia vida inteligente no tablado onde acontecia o teatro infantil.

As músicas eram de Zé Rodrix, Eduardo Souto Neto, Tavito e outros. Aquilo me animou para criar uma história e tentar transformá-la em uma peça teatral. Na época eu fazia Arquitetura no Bennett e a história foi se formando. Sem nenhuma pressa nem pressão consegui colocar o ponto final em “Seu Sol, Dona Lua”. Aí, faltava a música. Uma amiga, Ana Cristina, Anêga, era casada com Eduardo Souto, autor de uma das músicas do Jardim.

Marquei uma leitura em sua casa e o grande compositor pediu para escrever TODAS as músicas da peça. Para quem não o conhece, ele é nada menos que o autor do tema da vitória do Ayrton Senna. Músicas prontas, o que fazer? Nunca tinha produzido nada, vinte e poucos anos, e não sabia como conseguir dinheiro. Foi quando me revesti de coragem e escrevi para um ex-sócio de meu pai, Oscar Dantas de Medeiros, que depois de sua morte tinha assumido a TransZero, e falei das minhas necessidades.

A grana entrou na minha conta logo em seguida. Então, comecei a produção procurando formar a equipe, primeiro pelos atores. Zezé Motta chegou a ensaiar a Lua, mas foi convidada para fazer a Chica da Silva. Ronaldo Resedá fazia o Tempito, chegou a gravar as músicas, mas veio o convite para fazer o musical Pipin, no Canecão, estrelado por Marco Nanini. Com o Teatro da Galeria, no Flamengo, garantido e a direção de Renato Coutinho, começaram os ensaios para valer com Lígia Diniz fazendo a Lua, Nildo Parente o Tempo, Chico Ozanan o Sol e Lauro Corona encantando a todos com o Tempito, seu primeiro trabalho como ator.

Depois do Galeria, fomos para o Teatro Casa Grande, no Leblon, acontecendo, na sequencia, várias outras montagens em Recife, Porto Alegre, Niterói, Cabo Frio e outra no Rio com Jorge Fernando fazendo o Tempito. Ótimos tempos aqueles em que senti o prazer de ver uma ideia minha se materializar em tablados de teatros espalhados pelo Brasil afora. A única frustração é que esse texto continua inédito em palcos potiguares. Mas... Um dia ele estreia por aqui.


Seu Sol, Dona Lua 
de: Marcos Sá de Paula



Era uma vez... um velho Tempo que tinha sua oficina em algum lugar do céu. Era lá que ele consertava os relógios, acertava as horas e fazia com que tudo fosse sempre igual: as horas tinham 60 minutos, os dias tinham 24 horas, os anos tinham 365 dias e assim por diante.

Dava muito trabalho fazer com que nada saísse errado e como ele estava um pouco velho, cansado, resolveu que era hora de procurar um auxiliar para lhe ajudar nessas tarefas. Então, ele foi ao Orfanato do Temporal. O Orfanato do Temporal era o lugar aonde iam os novos tempos para serem educados e esperar que viessem pegá-los para continuar sua formação e ensinar um ofício.

O velho Tempo olhou, olhou, pensou, pensou, até que finalmente se decidiu por um menino com cara de inteligente e que se chamava Tempito. Tempito se despediu de seus amiguinhos e foi todo feliz com o velho Tempo para sua nova morada. Quando lá chegaram, ficou impressionado com a quantidade de relógios que existia na oficina. Era uma bagunça danada e ele logo sentiu que ia ter muito trabalho. Mas não tinha problema. Ele era muito jovem e tinha bastante disposição e, coitado do velho, já havia trabalhado muito nessa vida e merecia um pouco de descanso.

- Eu vou querer tudo muito bem arrumado e limpo. Quando quiser descansar um pouco, tem essa nuvem para você – aponta uma pequena nuvem com cara de muito confortável e continua – mas em hipótese alguma, deite-se na minha que é essa aqui – e apontou uma maior, um pouco encardida.

- Não se preocupe – disse o Tempito – eu gostei muito da minha nuvem. O que eu tenho que fazer? Posso começar?

- Lógico, foi para isso que eu te peguei. Primeiro eu quero que você tire a poeira de tudo isso aqui. Depois, aos poucos, eu vou lhe ensinar como consertar os relógios.

O Tempo sai. Na realidade, ele estava querendo descansar um pouco e foi se deitar na sua nuvem velha e encardida. O Tempito olhou para toda aquela bagunça, respirou fundo e começou o seu trabalho. Limpou, varreu, espanou, até que um pouco cansado também, sentou na sua nuvem. Nesse momento, tudo ficou colorido.

Foi quando ele notou que era o Sol que estava nascendo. Ficou admirando aquele espetáculo até que o Sol se dirigiu à oficina do Tempo em sua moto de fogo...

...
Não perca o próximo capítulo em que vai acontecer o encontro do Tempito com o Sol

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Carnaval



Quando eu era adolescente, o Carnaval em Natal tinha uma particularidade única, que não existia em nenhuma outra cidade que eram os blocos de elite. Em geral era uma turma de 50 rapazes e moças que se reuniam alguns meses antes da festa de Momo para programarem o figurino, fazerem votação para decidir quem entrava ou saia, e, principalmente, organizar os assaltos.

Os assaltos era o que fazia a galera se divertir. Consistia em chegar à casa de alguém com a sua alegoria (um trator puxando duas carroças decoradas) e uma pequena orquestra de uns seis músicos (sopros e percussão) e fazer a festa por durante umas duas horas. Meu pai sempre recebia alguns blocos, pelo menos um a cada dia. A cidade se enchia de música enquanto os blocos mudavam de assalto e cruzavam uns com os outros. Havia muitos deles, mas o que despertava o sonho de consumo de uma grande maioria era o Jardim de Infância, formado pelos jovens mais abastados da cidade (e alguns agregados nem tanto).

No Jardim, mulheres não votavam, apenas ajudavam na escolha do tecido para fazer a fantasia que era sempre a mesma: short para os meninos e saia plissada para as meninas, bem curtos, com suspensórios, gravatinha e aquela coisa no ombro que tinha o registro de quantos anos o componente saía no bloco, chapéu tipo pescador e uma sacola como se fosse uma merendeira para guardar chaves, lenços (para as lança-perfumes) e os Reativans. Quando eu saí, era meio mascote, pois tinha apenas uns 16, 17 anos e a turma em geral já passava dos 20, alguns chegando ou passando dos 30.

De uma certa forma, eu forcei uma barra para entrar no seleto grupo usando os esperados assaltos na casa de meu pai, sempre regados do melhor uísque e dos caldos da caridade que levantava a galera ressacada. Dessa forma consegui fazer parte por uns dois anos do Jardim de Infância. Na minha época brincavam no bloco muitos que hoje são políticos como os deputados Henrique Alves e Nélio Dias (meu primo e já falecido), os irmãos hoje empresários Tiago e Eduardo Gadelha, os primos Duda e Rogério Santos, os irmão que vinham do Rio para o Carnaval, Eudes e Euler Varela, acho que meu primo Múcio Sá, entrou depois que eu saí.

Tinha os folclóricos como Chico Miséria, sempre aprontando, e Marimbondo, responsável pela orquestra. O jardim era o único que não tinha alegoria, cada um ia no seu próprio carro (ou comprava um Dodge ou um Galaxy só para zoar e depois da quarta feira de cinzas rebolar no mato). Em pouco tempo descobri que aquela não era a minha turma. Os anos 70 chegavam com muitas novidades e troquei a companhia dos maurícios pelos cabeludos alternativos, que usavam sandália de pneu, camisetas curtíssimas da Hering e deixava os caracóis dos meus cabelos guiar o meu destino. Nessa época fui morar no Rio com a família e aí que a guinada foi grande.

O carnaval da cidade foi se modificando (não devido à minha ausência, por favor!!!). Os blocos foram inchando, aumentando o número de componentes, chegando aos quase 400, enriquecendo os diretores e acabando com os assaltos, pois quem iria receber e dar de comer e beber a tanta gente? Também começaram a surgir as bandas de rua, com orquestras maiores e com o apoio dos órgãos oficiais, como a Bandagália, a Bandalheira e uma ou outra que arrastava multidões pelas ruas (de preferência, becos) da cidade. Em 1986 aconteceu um acidente que ajudou a enterrar de vez o carnaval de Natal.

O bloco Puxa-saco, inchado de tantos componentes e sem conseguir mais lugares para seus assaltos, tenta aproveitar a onda no momento e se transformar n’O Cordão dos Puxa-saco, uma banda com as mesmas características da Bandagália e similares.

Infelizmente, um ônibus desgovernado passou por cima dos foliões, matando 19, e sepultando um provável ressurgimento do carnaval de rua de Natal. Depois, a axé music dominou o mercado e a mente dos novos foliões com sua poesia pobre e coreografias que fariam corar qualquer chacrete pela sua vulgaridade e repetição. Hoje, aqui e ali, há uma sincera vontade de se reviver o carnaval de rua de Natal, mas em nenhuma delas há a menor referência aos blocos de elite da minha adolescência.

sábado, 26 de janeiro de 2013

1º, 2º e 3º - Antepenúltimo, penúltimo e último

Eu fiz o primário e o ginásio no Salesiano São José, na Ribeira velha de guerra, em Natal. Na época só tinha classes até o 4º ano ginasial, o equivalente hoje ao 9º ano do 1º grau. Apesar de não estudar demais, ser um CDF, sempre me saí muito bem com relação às minhas notas, sendo muitas vezes classificado entre os primeiros lugares. Isso nunca foi uma obsessão, como no caso de meu irmão Nilson, que tirava sempre 1º lugar, e quando isso não acontecia...

Eu adorava o colégio. Tinha um brinquedo que nunca vi em outro lugar, a godela, que já pesquisei nos googles da vida, mas nunca achei nada parecido. Imagino que deva ter origem italiana. Consistia de um tronco fincado no chão com uma coroa de ferro que girava em torno de um eixo, também de ferro, de onde pendiam quatro correntes com um arco em cada ponta. A brincadeira estava em colocar uma das pernas até a virilha e os quatro a correr, terminávamos voando. Eu era um dos craques na godela no colégio.

Todo começo de mês era aquela ansiedade para saber qual a sua classificação entre os colegas. 1º, 2º, 3º, 4º. 5º... E assim por diante. Só que, não me lembro de quando, ou se durou muito tempo, os padres resolveram divulgar apenas os três primeiros e os três últimos. Não sei de onde eles tiraram essa metodologia de educação, em que enaltecia alguns e execrava outros. Uma coisa é você ser o 34º, 35º ou 36º de uma turma. Outra muito diferente é você ser o antepenúltimo, penúltimo ou último.

Eu sempre estava entre os primeiros, então não isso não era um problema para mim. Em compensação, Tovarich estava sempre entre os últimos. Ele era um cara bem franzino e estava sempre ao meu lado no recreio e na sala de aula. Nas provas era um inferno, pois nunca colei nem gostava de dar cola. E ele estava sempre lá, com aquele olhar pidão, implorando por salvação. Nossa relação era restrita entre os muros do colégio. Não sabia nem onde ele morava. Já a minha casa, um palacete moderno na principal avenida da cidade, era conhecida de todos. Que vergonha! Tudo que eu queria era morar numa casa bem simples, não miserável, mas igual à da maioria. Bem, fazer o que? Mas entre os muros da escola, eu e Tovarich éramos como unha e cutícula.

Um dia, minha mãe me chama solenemente para uma conversa. Senta em sua penteadeira decorada com sua coleção de perfume francês, pega em minhas mãos e pergunta:

- Quem é Tovarich?

Não entendi a pergunta. O que ela queria saber? Tovarich era um amigo que estudava na minha turma, nada mais que isso. Ela continuou.

- É que o Padre Diretor chamou seu pai no colégio e falou que você estava andando em más companhias. Que esse Tovarich era um dos últimos da classe e que isso poderia lhe influenciar, e blá-blá-blá...

- Meu Deus! O que vocês querem que eu faça?

- Seu pai disse que você deve terminar essa amizade.

E ponto final!

Nos próximos dias foi o maior sofrimento. Tovarich estava num lugar, eu ia para outro bem longe. Quando via, ele estava do meu lado. Na sala, mudei de lugar, mas não tinha jeito, Tovarich mudava para perto. Eu tentava de todas as maneiras me afastar, mas sem sucesso. Como eu poderia acabar com aquela amizade? Eu nunca poderia chegar para o cara e dizer que meus pais não queriam que fôssemos amigos, que ele era uma má influência para mim. Foram dias e dias de angústia e ele não notava nada. O pior eram os olhares do Padre Diretor. Não tinha como esconder que a ordem recebida não estava sendo cumprida.

Um dia, eu estava na minha, quieto no meu canto, quando o professor quer saber quem fez algo que não me lembro agora o que foi, senão todos ficariam por mais meia hora depois da última aula. Silêncio... Ninguém fala nada... Eu levanto a mão, o professor me manda falar e eu digo em alto e bom tom:

- Foi Tovarich!

Foi a última fez que olhei nos olhos dele. A sua cara de espanto e decepção nunca me saiu da cabeça. No final do ano ele mudou para o Atheneu e nunca mais o vi, nem tive notícias. Depois que voltei dos EUA para morar aqui em Natal no final de 2001, resolvi procurá-lo. Perguntei a um conhecido que tinha seu mesmo sobrenome, se ele conhecia a figura, e ao descrever uma particularidade física dele, falou que era seu primo.

Tomei coragem e fui à agência bancária onde o seu primo falou que ele trabalhava. Ele estava de férias. Deixei um cartão pedindo para que entrasse em contato comigo. Nada! Aí desisti. Vai ver o incidente nem foi tão importante para ele, como foi para mim. Eu só queria olhar novamente nos seus olhos e pedir perdão. Quem sabe assim conseguisse esquecer seu último olhar.

Isso aconteceu há quase 50 anos e mudei o nome do personagem, mas ele ou alguns colegas da época, com certeza deverão saber de quem eu estou falando.