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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Carnaval



Quando eu era adolescente, o Carnaval em Natal tinha uma particularidade única, que não existia em nenhuma outra cidade que eram os blocos de elite. Em geral era uma turma de 50 rapazes e moças que se reuniam alguns meses antes da festa de Momo para programarem o figurino, fazerem votação para decidir quem entrava ou saia, e, principalmente, organizar os assaltos.

Os assaltos era o que fazia a galera se divertir. Consistia em chegar à casa de alguém com a sua alegoria (um trator puxando duas carroças decoradas) e uma pequena orquestra de uns seis músicos (sopros e percussão) e fazer a festa por durante umas duas horas. Meu pai sempre recebia alguns blocos, pelo menos um a cada dia. A cidade se enchia de música enquanto os blocos mudavam de assalto e cruzavam uns com os outros. Havia muitos deles, mas o que despertava o sonho de consumo de uma grande maioria era o Jardim de Infância, formado pelos jovens mais abastados da cidade (e alguns agregados nem tanto).

No Jardim, mulheres não votavam, apenas ajudavam na escolha do tecido para fazer a fantasia que era sempre a mesma: short para os meninos e saia plissada para as meninas, bem curtos, com suspensórios, gravatinha e aquela coisa no ombro que tinha o registro de quantos anos o componente saía no bloco, chapéu tipo pescador e uma sacola como se fosse uma merendeira para guardar chaves, lenços (para as lança-perfumes) e os Reativans. Quando eu saí, era meio mascote, pois tinha apenas uns 16, 17 anos e a turma em geral já passava dos 20, alguns chegando ou passando dos 30.

De uma certa forma, eu forcei uma barra para entrar no seleto grupo usando os esperados assaltos na casa de meu pai, sempre regados do melhor uísque e dos caldos da caridade que levantava a galera ressacada. Dessa forma consegui fazer parte por uns dois anos do Jardim de Infância. Na minha época brincavam no bloco muitos que hoje são políticos como os deputados Henrique Alves e Nélio Dias (meu primo e já falecido), os irmãos hoje empresários Tiago e Eduardo Gadelha, os primos Duda e Rogério Santos, os irmão que vinham do Rio para o Carnaval, Eudes e Euler Varela, acho que meu primo Múcio Sá, entrou depois que eu saí.

Tinha os folclóricos como Chico Miséria, sempre aprontando, e Marimbondo, responsável pela orquestra. O jardim era o único que não tinha alegoria, cada um ia no seu próprio carro (ou comprava um Dodge ou um Galaxy só para zoar e depois da quarta feira de cinzas rebolar no mato). Em pouco tempo descobri que aquela não era a minha turma. Os anos 70 chegavam com muitas novidades e troquei a companhia dos maurícios pelos cabeludos alternativos, que usavam sandália de pneu, camisetas curtíssimas da Hering e deixava os caracóis dos meus cabelos guiar o meu destino. Nessa época fui morar no Rio com a família e aí que a guinada foi grande.

O carnaval da cidade foi se modificando (não devido à minha ausência, por favor!!!). Os blocos foram inchando, aumentando o número de componentes, chegando aos quase 400, enriquecendo os diretores e acabando com os assaltos, pois quem iria receber e dar de comer e beber a tanta gente? Também começaram a surgir as bandas de rua, com orquestras maiores e com o apoio dos órgãos oficiais, como a Bandagália, a Bandalheira e uma ou outra que arrastava multidões pelas ruas (de preferência, becos) da cidade. Em 1986 aconteceu um acidente que ajudou a enterrar de vez o carnaval de Natal.

O bloco Puxa-saco, inchado de tantos componentes e sem conseguir mais lugares para seus assaltos, tenta aproveitar a onda no momento e se transformar n’O Cordão dos Puxa-saco, uma banda com as mesmas características da Bandagália e similares.

Infelizmente, um ônibus desgovernado passou por cima dos foliões, matando 19, e sepultando um provável ressurgimento do carnaval de rua de Natal. Depois, a axé music dominou o mercado e a mente dos novos foliões com sua poesia pobre e coreografias que fariam corar qualquer chacrete pela sua vulgaridade e repetição. Hoje, aqui e ali, há uma sincera vontade de se reviver o carnaval de rua de Natal, mas em nenhuma delas há a menor referência aos blocos de elite da minha adolescência.

Um comentário:

  1. Já estou por aqui...adorando os textos. beijos
    vai para minha lista de leitura diária!
    p.s: cadê a lista de seguidores ? Coloque aê pra eu lhe seguir!

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